Representantes do setor privado do BRICS entregaram uma lista com 24 recomendações de políticas públicas aos chefes de Estado dos países que integram o bloco, presidido pelo Brasil em 2025, na Cúpula do BRICS, realizada no Rio de Janeiro neste domingo (6). É a primeira vez, desde a criação do BRICS, que o setor privado apresenta recomendações objetivas.
As medidas buscam aprimorar os laços comerciais, o desenvolvimento de inovação e tecnologia, a conexão de infraestrutura, a sinergia regulatória, a transição energética e a equidade de gênero entre os países membros.
As recomendações resultam do trabalho conduzido ao longo do ano pelo Conselho Empresarial do BRICS (BRICS Business Council – BBC, na sigla em inglês) e pela Aliança Empresarial das Mulheres do BRICS (Women's Business Alliance – WBA), ambos secretariados pela Confederação Nacional da Indústria (CNI) durante o comando brasileiro do BRICS.
A construção das propostas considerou os principais desafios e as oportunidades de avanços, com a participação de mais de 1 mil representantes do setor produtivo e especialistas das 11 nações que compõem o BRICS – Brasil, Rússia, Índia, China, Emirados Árabes, África do Sul, Indonésia, Etiópia, Irã, Egito e Arábia Saudita. A expectativa do Brasil é que a sistematização e padronização das recomendações contribua para o acompanhamento das entregas esperadas.
Entre as recomendações gerais, estão a criação de um programa conjunto para a recuperação de áreas degradas por meio de agricultura regenerativa; a ampliação de rotas aéreas entre os países; a aceleração do uso de energias renováveis, inclusive de oferta de combustível sustentável para aviação; o aumento de oferta de qualificação de pessoas para tecnologias verdes; e a expansão de oferta de crédito para pequenos e médios negócios.
"Sob o lema Cooperação empresarial para um futuro inclusivo e sustentável, o relatório de 2025 apresenta recomendações objetivas do setor privado que contribuem de forma concreta para fortalecer o ambiente de negócios nos nossos países", afirma Francisco Gomes Neto, CEO da Embraer e presidente da Seção Brasileira do Conselho.
Já as recomendações para inclusão e desenvolvimento de mulheres, pelo WBA, as medidas visam a melhorar serviços e o acesso à saúde; a ampliação do crédito para empresas lideradas por mulheres; estimular a inserção de mulheres em carreiras tecnológicas e na indústria criativa.
"A WBA é uma iniciativa inédita de fortalecimento da representatividade das mulheres não apenas nos negócios, mas no desenvolvimento social e econômico do BRICS, pois avançar na inclusão e na equidade de gênero tem reflexos positivos para todos. É fundamental construir políticas transversais que apoiem a atuação das mulheres nas empresas, na economia digital e criativa e, também, que garantam acesso à saúde", afirma Mônica Monteiro, vice-presidente Comercial e de Novos Negócios da Times Brasil, licenciado exclusivo CNBC, e presidente global do WBA durante a gestão brasileira.
Conheça os mecanismos
Criado em 2013, o Conselho Empresarial do BRICS é composto por representantes das principais entidades e empresas privadas dos países membros. Em 2025, o BBC operou sob a presidência brasileira com nove Grupos de Trabalho que cobriram setores estratégicos como Agronegócio, Aviação, Economia Digital, Energia, Finanças, Infraestrutura, Manufatura, Inovação, Comércio e Qualificação Profissional.
Já a WBA, fundada em 2019 pelos Chefes de Estado do BRICS, promove a liderança feminina e a inclusão econômica por meio de seis Grupos Temáticos que tratam de Segurança Alimentar e Ambiental, Economia Criativa, Saúde, Turismo, Economia Inclusiva e Desenvolvimento Inovador.
Confira as principais recomendações para os governos do BRICS
Recomendações do Conselho Empresarial do BRICS
Grupo de trabalho: Agronegócio
Recomendação prioritária: Estabelecer um programa dos BRICS para agricultura regenerativa e recuperação de terras degradadas.
Contexto: Segundo o Fórum Econômico Mundial, práticas regenerativas e biotecnologia têm o potencial de aumentar a produção em 40% e melhorar os resultados ambientais. Ao mesmo tempo, uma maior harmonização regulatória e melhor acesso a insumos-chave podem acelerar a integração das cadeias de valor e aumentar a competitividade global.
Grupo de trabalho: Aviação
Recomendação prioritária: Ampliar as rotas de tráfego aéreo entre os países do BRICS.
Contexto: O setor de aviação do BRICS desempenha um papel crucial na economia global, mas enfrenta desafios significativos de logística e sustentabilidade, como: 1) a ausência de voos diretos entre os Estados-membros; 2) a oferta extremamente limitada de Combustíveis Sustentáveis de Aviação (SAFs), essenciais para que o setor atinja suas metas de redução de carbono; e 3) a crescente necessidade de desenvolvimento de capital humano para os setores industrial e comercial da aviação.
Grupo de trabalho: Economia Digital e Inteligência Artificial
Recomendação prioritária: Cooperar para estabelecer confiança e governança na economia digital, promovendo parcerias público-privadas para acelerar a digitalização e a aplicação da inteligência artificial.
Contexto: Segundo a União Internacional de Telecomunicações (UIT), em 2024 cerca de 68% da população mundial utilizava a internet, e uma pesquisa recente da Soho revelou que até 50% do orçamento de TI das Micro, Pequenas e Médias Empresas (MPMEs) foi destinado a serviços de computação em nuvem. Destaca-se a rápida adoção da Inteligência Artificial Generativa (IA Gen), que alcançou mais de um milhão de usuários em apenas cinco dias após seu lançamento. No entanto, a maioria dos grandes modelos de linguagem (LLMs) frequentemente falha em capturar as diferenças culturais e linguísticas existentes nos países do BRICS, razão pela qual é essencial cultivar capacidades nacionais em desenvolvimento e treinamento de IA.
Grupo de trabalho: Energia, Economia Verde e Clima
Recomendação prioritária: Acelerar a adoção de fontes de energia renovável e impulsionar a transição para energia limpa nos países do BRICS.
Contexto: Alcançar as metas de descarbonização até 2050 é fundamental para limitar o aquecimento global a menos de 1,5°C. O IPCC alerta que as emissões devem cair 43% até 2030, ou as temperaturas globais podem ultrapassar 1,5°C já em 2031. Os países do BRICS, responsáveis por aproximadamente 40% das emissões globais de GEE, devem liderar esse esforço.
Grupo de trabalho: Serviços Financeiros
Recomendação prioritária: Promover a expansão dos instrumentos de financiamento sustentável do BRICS.
Contexto: Mais de 50% das Pequenas e Médias Empresas (PMEs) nas economias do BRICS relatam acesso limitado ao crédito, com custos de empréstimos frequentemente superiores às médias globais. Enfrentar esse desafio exige não apenas ampliar o acesso ao capital, mas também reduzir seu custo por meio da inovação financeira e da diversificação do ecossistema.
Grupo de trabalho: Infraestrutura, Transporte e Logística
Recomendação prioritária: Melhorar a conectividade logística entre os países do BRICS para estimular o crescimento do comércio e o desenvolvimento econômico.
Contexto: As necessidades de investimento em infraestrutura nos países do BRICS são substanciais. O Global Infrastructure Hub estima que esses países precisarão de cerca de US$ 4,5 trilhões em investimentos em infraestrutura até 2040. O Novo Banco de Desenvolvimento (NDB), com seu foco em infraestrutura e projetos de desenvolvimento sustentável, pode desempenhar um papel significativo para atender a essas necessidades. Segundo o Banco Mundial, uma logística eficiente e uma infraestrutura robusta são fatores-chave para o crescimento econômico e a competitividade. Um estudo do Banco Asiático de Desenvolvimento mostrou que a melhoria da infraestrutura de transportes por si só poderia aumentar o PIB em até 5% na região da Ásia-Pacífico.
Grupo de trabalho: Manufatura
Recomendação prioritária: Reforçar a cooperação tecnológica entre empresas do BRICS para impulsionar a inovação, acelerar a modernização da indústria e garantir o acesso equitativo a tecnologias-chave.
Contexto: A manufatura é um pilar fundamental do crescimento econômico global, respondendo por 16% do PIB global e empregando 14% da força de trabalho mundial (UNIDO). Como motor do desempenho exportador, os bens manufaturados representam cerca de 70% das exportações globais de mercadorias. O surgimento da manufatura avançada, impulsionada por robótica, IA e tecnologias limpas, está transformando indústrias e abrindo novas oportunidades de crescimento. Esse papel duplo posiciona a manufatura como um pilar central da transformação econômica.
Grupo de trabalho: Desenvolvimento de Competências e Inovação
Recomendação prioritária: Ampliar as iniciativas de requalificação profissional em tecnologias avançadas e áreas da transformação verde, a fim de apoiar a adaptação da força de trabalho às competências do futuro.
Contexto: Estima-se que 60% dos empregadores esperam que a transformação digital afete seus modelos de negócios até 2030, embora apenas 45% dos indivíduos atualmente possuam habilidades digitais básicas, segundo a União Internacional de Telecomunicações. O Fórum Econômico Mundial projeta uma mudança líquida no cenário do emprego, com cerca de 92 milhões de empregos sendo deslocados (8% do total) e 78 milhões de novas oportunidades sendo criadas (7% do total) nos próximos cinco anos. Essa transição evidencia um descompasso significativo entre as competências exigidas e as atualmente disponíveis na força de trabalho. Esforços urgentes de qualificação são necessários, com investimento proativo e colaboração entre governos, empresas e instituições de ensino para assegurar uma transição equilibrada e empregos sustentáveis.
Grupo de trabalho: Comércio e Investimentos
Recomendação prioritária: Reduzir barreiras comerciais entre os países do BRICS por meio da cooperação regulatória e da digitalização dos processos de comércio.
Contexto: Nos últimos 5 anos, barreiras prejudiciais ao comércio internacional aumentaram 500%, segundo o Global Trade Alert Database. Regulamentações divergentes e processos administrativos complexos aumentam os encargos de conformidade, limitando o ritmo da integração econômica e afetando a competitividade. O Banco Mundial estima que reduzir a burocracia alfandegária poderia aumentar a renda global em mais de seis vezes em comparação com a eliminação de todas as tarifas. Avançar em direção à cooperação regulatória e medidas de facilitação do comércio digital que simplifiquem os procedimentos aduaneiros pode aumentar a eficiência, reduzir os prazos de processamento e fortalecer a competitividade do BRICS.
Recomendações da Aliança Empresarial das Mulheres do BRICS (WBA)
Grupo temático: Indústrias Criativas
Recomendação prioritária: Adotar políticas públicas inclusivas que apoiem ativamente as mulheres nas indústrias criativas, com o objetivo de estimular a inovação, capacitar as mulheres empreendedoras, impulsionar a diversificação econômica e aumentar a competitividade geral da Indústria Criativa no âmbito do BRICS.
Contexto: De acordo com a ONU (UNCTAD), as indústrias criativas se dividem em quatro grandes grupos — Patrimônio, Artes, Mídia e Criações Funcionais. Além de impulsionar a inovação e a identidade cultural, essas indústrias geram emprego, renda e impacto social. São cada vez mais reconhecidas como motores do desenvolvimento sustentável nas economias contemporâneas. Sua força reside em combinar valor simbólico e econômico, posicionando a criatividade como ativo estratégico do século XXI. Nos países do BRICS, as mulheres estão na linha de frente da economia criativa. No entanto, barreiras estruturais persistentes relacionadas à desigualdade de gênero continuam limitando a plena participação das mulheres nesse setor. Enfrentar esses desafios por meio de políticas inclusivas e apoio direcionado é essencial para que o setor criativo se torne um espaço de equidade, diversidade e desenvolvimento duradouro.
Grupo temático: Segurança Alimentar e Segurança Ambiental
Recomendação prioritária: Implementar programas para facilitar o acesso a crédito e assistência técnica para mulheres empreendedoras rurais, garantindo apoio específico à inovação e adaptação às mudanças climáticas, fortalecendo a autonomia econômica e a proteção social.
Contexto: Com mais de 2,3 bilhões de pessoas enfrentando insegurança alimentar moderada ou severa globalmente, segundo a ONU, os países do BRICS estão em posição única para fortalecer a segurança alimentar global por meio de cadeias de suprimentos mais resilientes e diversificadas. Promover a inclusão de agricultores de pequeno e médio porte é essencial para ampliar a capacidade produtiva, reduzir vulnerabilidades e garantir acesso mais estável a alimentos em nível local e global. Apesar da capacidade do planeta em prover alimentos de qualidade para todos, um número crescente de pessoas não consegue atender suas necessidades alimentares e nutricionais. Essa situação se agravou com a intensificação das crises climáticas e ambientais, somada ao impacto da pandemia de COVID-19, que interrompeu programas de alimentação escolar, afetou cadeias de suprimento e impactou severamente os meios de subsistência de pequenos produtores, trabalhadores migrantes e sazonais e vendedores locais. Esse cenário revela um desafio sistêmico: as mulheres rurais são essenciais aos sistemas alimentares, mas continuam desproporcionalmente excluídas dos recursos e das estratégias de resiliência necessárias para prosperar diante de choques ambientais e econômicos.
Grupo temático: Saúde
Recomendação prioritária: Implementar uma estratégia coordenada entre governo e empresas para reduzir a mortalidade evitável e melhorar os resultados de saúde mental entre mulheres em situações vulneráveis, com foco na integração dos serviços essenciais de saúde da mulher nos sistemas de atenção primária à saúde.
Contexto: A saúde da mulher continua sendo um desafio crítico de saúde pública nos países do BRICS, especialmente em relação a doenças evitáveis e à saúde mental. O câncer do colo do útero ainda é uma das principais causas de morte entre mulheres em áreas com poucos recursos, apesar da existência de ferramentas eficazes de prevenção, como a vacinação contra o HPV e os exames de rotina. Segundo a OMS, sem medidas preventivas, as mortes podem aumentar de 311 mil para 400 mil até 2030. Questões de saúde mental, como ansiedade e depressão, também aumentaram, especialmente após a pandemia da COVID-19, impulsionadas por fatores como vulnerabilidade econômica e acesso desigual aos cuidados.
Grupo temático: Economia Inclusiva
Recomendação prioritária: Facilitar o acesso a mecanismos de crédito e financiamento para empresas lideradas por mulheres para aumentar a participação econômica em setores estratégicos e endossar a iniciativa de estabelecer o Fundo de Avanço de Mulheres do BRICS para oferecer linhas de crédito personalizadas e condições favoráveis para apoiar projetos de pequenas e médias empresas pertencentes ou lideradas por mulheres.
Contexto: As Pequenas e Médias Empresas (PMEs) têm papel fundamental na promoção de uma economia inclusiva, representando 99% de todos os negócios globalmente e empregando pelo menos 60% da força de trabalho na maioria dos países do BRICS, segundo dados da OIT e OCDE. Nesse cenário, os negócios liderados por mulheres surgem como motores de crescimento econômico, inovação e geração de empregos, sendo responsáveis por um terço das PMEs, conforme a Iniciativa de Financiamento para Mulheres Empreendedoras. No entanto, 70% dessas empresas enfrentam barreiras substanciais no comércio, no acesso ao crédito, na alfabetização financeira e no ingresso em redes de negócios nacionais e internacionais. Estatísticas da OIT-OCDE também revelam que a produtividade das PMEs ainda é inferior à das grandes empresas, com uma diferença média de 71% entre as economias emergentes. Além disso, cerca de 70% das PMEs ainda não estão digitalizadas devido a custos de hardware ou manutenção, escassez de talentos e habilidades digitais e dificuldades em lidar com leis e regulamentos.
Grupo temático: Desenvolvimento Inovador
Recomendação prioritária: Promover parcerias público-privadas para capacitar as mulheres em carreiras relacionadas a altas tecnologias e campos emergentes, garantindo que elas se tornem resilientes e se beneficiem plenamente do poder transformador das economias digitais e verdes.
Contexto: De acordo com o Relatório de Monitoramento da Educação Global de 2024 (UNESCO), diversas mulheres já ingressaram em carreiras STEM, com média de 35% de matrículas nos cursos de graduação. No entanto, esse percentual não mudou nos últimos 10 anos e apenas 12% das mulheres alcançam posições de liderança em profissões ligadas às STEM. As razões para isso variam entre falta de motivação e modelos femininos de referência, preconceito social e ausência de oportunidades de ascensão — o que se denomina "teto de vidro" para a progressão das mulheres em suas carreiras.
Grupo temático: Turismo
Recomendação prioritária: Empoderar mulheres e promover a resiliência e a integração do setor de turismo nos países do BRICS, aumentando a integração feminina e a liderança em novas tendências turísticas, como o turismo ambiental, de saúde, experiencial, comunitário e nômade digital.
Contexto: As mulheres representam cerca de 54% da força de trabalho global no setor de Turismo, segundo a Organização Mundial do Turismo. Fenômenos recentes, especialmente a pandemia da Covid, que reduziu os gastos com turismo em 53% em 2020, mas que se recuperaram plenamente até o final de 2023, demonstram não apenas a volatilidade, mas também a vulnerabilidade vivida por muitos atores nas cadeias de valor do setor — especialmente pelas mulheres. Com o Fórum Econômico Mundial projetando uma tendência positiva para a indústria nos próximos 10 anos, é fundamental que os países do BRICS encontrem formas de aproveitar essas novas oportunidades para promover maior equidade entre homens e mulheres no setor, enfrentando os desafios enfrentados pelas mulheres no Turismo.
O Fórum Empresarial do BRICS
O Fórum Empresarial do BRICS é uma plataforma para o avanço da cooperação diante dos desafios globais que reúne esforços dos países membros para promover uma agenda baseada em inovação, sustentabilidade e inclusão econômica. O evento conta com os patrocinadores XCMG, DP World, Keeta, WEG, Embraer, Vale, Febraban, Mebo International, Marfrig/BRF, Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (SENAI), Serviço Social da Indústria (SESI) e Instituto Euvaldo Lodi (IEL), além do apoio institucional do Conselho Nacional do Sesi, da Organização das Cooperativas Brasileiras (OCB), da Natura, do SEBRAE, da ApexBrasil e da Federação das Indústrias do Rio de Janeiro (Firjan).